Quem é afinal Daniela Martins, a mãe envolvida no caso das gémeas, e tudo o que ela revelou (2024)

Daniela Martins, a mãe das gémeas luso-brasileiras Maitê e Lorena, de 5 anos, que receberam o medicamento mais caro do mundo em Portugal alegadamente por influência do filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, passou cerca de cinco horas a dar explicações na Comissão Parlamentar de Inquérito. Em causa estão declarações antigas da ex-empresária e uma troca de emails que levanta suspeitas sobre um alegado tráfico de influências que levou o SNS a pagar quatro milhões de euros naquele tratamento. Mas quem é afinal Daniela Martins?

Daniela começou a ser conhecida no Brasil em 2019, quando mobilizouuma mega campanha de angariação de fundos para ajudar as filhas, então com menos de um ano de vida. Na página "AME em dobro", uma referência à sigla da doença,Atrofia Muscular Espinal, a ex-empresária contou uma história emotiva sobre como ela e o então marido, Samir Assad Filho, sempre sonharam em serem pais de gémeos. "Fiz até promessa para realizar este meu sonho. Quando descobri que estava grávida de gémeas, meninas, o meu coração explodiu de felicidade. Ele veio na boca de tanta emoção. As minhas gémeas nasceram, Maitê e Lorena. Lindas, fofas, carinhosas e, aparentemente, saúdaveis. Há algumas semanas, as minhas gémeas completaram 10 meses e de novo o meu coração veio na boca. Mas desta vez não foi de felicidade. Descobrimos que elas têm uma doença genética que só tem o nome bonito, mas é destruidora. A AME", lê-se na mensagem da campanha.

A mobilização de Daniela foi tanta que correu a imprensa brasileira, chegou a famosos e angariou mais de 323 mil reais (cerca de 55 mil euros no câmbio atual). No entanto, a ex-empresária de São Paulo preferiu colocar um fim à campanha com um aviso aos seguidores de que tinha conseguido o medicamento mais caro do mundo, o zolgensma, dois milhões de euros cada dose. "Nós conseguimos. Elas muito em breve tomarão o tão sonhado zolgensma, graças à união de muitas pessoas! Mil vezes obrigada pelas lindas mensagens, pela torcida, pelas boas energias, pelas doações e por acreditarem junto com a gente que de alguma maneira ia dar certo! Nós vencemos essa etapa. Nós podemos acalmar o nosso coração", celebrou Daniela.

Cidadã com ascendência portuguesa, neta de quatro avós portugueses, Daniela tem a nacionalidade portuguesa há mais de uma década. Em Portugal, tornou-se há dez anos sóciade uma empresa de venda de cosméticos e produtos eróticos em Mortágua, Portugal, mas desfez destaparticipação em 2022, dois anos depois de as filhas tomarem o polémico medicamento. Por causa da sua ligação a Portugal, Daniela disse esta sexta-feira, 21, aos deputados que"nunca foi uma mera turista no País".

A família decidiu fazer a mudança para Portugal em dezembro de 2019, já com as meninas a precisar do medicamento. Foram atendidas no Hospital Santa Maria para as primeiras consultas. A obtenção da nacionalidade portuguesa das crianças aconteceu num tempo recorde. A 23 de junho de 2020, uma das meninas recebeu o medicamento milionário, e dois dias depois foi a vez da outra irmã.O Hospital Santa Maria também adquiriu duas cadeiras de rodas topo de gama para as crianças.

Em 2022, dois anos depois da toma do medicamento, Daniela continuou a sua campanha de consciencialização sobre a AME e foi à 'Casa Feliz', da SIC, falar sobre as dificuldades dos tratamentos e as terapias, que custavam três mil por mês aos pais.Um ano após aquela entrevista, a família saiu de Portugal e já com um processo de divórcio em curso.

TRAMADA PELO "PISTOLÃO"

Foram as palavras de Daniela Martins que acabaram por tramá-la. Filmada pela TVI, a ex-empresáriafoi apanhada a dizer que tinha usado "o pistolão", uma rede de contatos que a terá ajudado em todo o processo. Na comissão de inquérito, justificou a escolha daquela palavra.

"Pistolão é uma gíria do pessoal no Rio de Janeiro. Significa que supostamente facilitou algum processo para se conseguir alguma coisa", justificou Daniela, mas afirmou agora que afinal não tinha certeza de qualquer influência. "Ouvi em Portugal que tinha tido a ajuda do Sr. Presidente da República. Dentro do hospital de Santa Maria era o que se dizia".

BOM DIA, SENHOR SECRETÁRIO

Uma troca de emails entre Daniela Martins e a nora do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, Juliana Vilela Drummond, também levanta suspeitas sobre a ligação da mãe das gémeas com o palácio de Belém.

A argumentar que tinha um grupo de familiares a "disparar" emails e mensagens para vários contatos durante a campanha de angariação de fundos, em 2019, Daniela declarou que não se lembra de nenhum email para Juliana e não sabe do que se trata o agradecimento ao ex-secretário de Estado António Lacerda Sales. O email de dezembro de 2019 que saiu da caixa de correio de Daniela para a de Juliana começava assim:"Bom Dia, Dr. António Sales". E prosseguia: "Gostaria de agradecer toda a atenção que vem sendo dada às minhas filhas".

"Eu não tenho conhecimento desse ‘mail’. Não tenho conhecimento desse ‘mail’ a Juliana Vilela Drummond. Os pedidos eram direcionados a várias pessoas e não havia forma de saber. Os meus pedidos [de ajuda] foram feitos por grupos no WhatsApp de pessoas que me ajudavam a disparar. Não posso garantir que fui eu a escrever. Tinha diversas pessoas que tinham acesso à minha conta", explicou.

A LIGAÇÃO À NORA DE MARCELO

Apesar do mail que saiu da sua caixa de correio, Daniela sublinhou na comissão de inquérito que só conheceu a nora de Marcelo Rebelo de Sousa num evento num shopping de São Paulo, em 2022, e também não tinha qualquer ligação com Nuno Rebelo de Sousa, disse a ex-empresária."Afirmei que conhecia a nora do Presidente da República, mas somente a conheci num evento de Natal, já depois do tratamento".

Nuno Rebelo de Sousa, por sua vez, afirmou num documento enviado ao Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboaque "não conhece pessoalmente nem Daniela Martins, nem Samir Filho, nem as crianças". Segundo a revista 'Sábado', o filho do Presidente disse que apenas "tomou conhecimento da doença" das gémeas luso-brasileiras quando Daniela Martins lhe enviou essa informação "por WhatsApp, através de uma conhecida em comum que sabia que exercia funções na Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, juntamente com os documentos médicos das crianças e um pedido de informação sobre o médico especialista em AME em Portugal".

Nuno garantiu ainda que Daniela nunca lhe pediu ajuda "para que o fármaco fosse administrado às suas filhas em Portugal".

O caso está a ser investigado por suposto abuso de poder e tráfico de influência. Três pessoas foram constituídas arguidas, Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, e Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Santa Maria.

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